Sofrimento psicológico de acordo com a Psicologia Histórico-Cultural

Sofrimento psicológico e a psicologia histórico-cultural

O psiquismo humano é moldado pela história e pelas interações sociais. Isso implica que o sofrimento psicológico, em suas diversas formas, também é influenciado pelo contexto histórico e social.

Se considerarmos o desenvolvimento do psiquismo a partir de uma perspectiva materialista, podemos reinterpretar essa ideia da seguinte maneira: todo sofrimento ou transtorno mental é a expressão do indivíduo que existe concretamente no mundo e reflete sua forma de lidar com os desafios e acontecimentos da realidade circundante.

Sofrimento psicológico: fatores sociais x fatores biológicos

Dentro da perspectiva da psicologia histórico-cultural, não desconsideramos a possibilidade de existirem fundamentos biológicos subjacentes a esses processos. Reconhecemos que o psiquismo está sempre ligado a um corpo físico, pois todo sofrimento está intrinsecamente ligado à experiência corpórea da pessoa.

É impossível abordar o sofrimento ou o transtorno mental sem considerar o corpo da pessoa afetada. No entanto, buscamos transcender a ideia de que a biologia e a fisiologia, especialmente o cérebro e a química cerebral, sejam os únicos determinantes dessas experiências.

O fato de uma pessoa com depressão se sentir improdutiva ou inútil não pode ser completamente explicado pelos padrões de atividade sináptica em seu cérebro. Em vez disso, esses sentimentos são moldados pela estrutura da sociedade na qual ela está inserida e pelos significados atribuídos à doença mental dentro dessa sociedade.

Determinação social do sofrimento psicológico

Para entendermos as questões sociais referentes ao sofrimento psicológico é essencial pensarmos nestes pontos:

  1. O sofrimento tem uma dimensão social, uma vez que surge de uma estrutura específica de organização da experiência humana dentro da sociedade.
  2. O sofrimento psicológico é social porque incorpora explicações e interpretações culturalmente elaboradas dos fenômenos que o cercam.
  3. O sofrimento é social também porque os métodos de cuidado e as tecnologias desenvolvidas para lidar com ele são influenciados por contextos culturais e históricos específicos.

Em uma perspectiva marxista, a sociedade é compreendida como um conjunto de relações concretas entre indivíduos, diretamente ligadas aos modos de produção e reprodução da vida humana. Assim, a sociedade existe objetivamente, não apenas como uma ideia. No contexto do capitalismo, por exemplo, as relações sociais específicas geram formas particulares de sofrimento, independentemente de nossa consciência ou julgamento sobre elas.

O modo como nos organizamos socialmente produz diretamente diferentes tipos de sofrimento. Por exemplo, a relação entre esforço e recuperação nas atividades humanas, como o trabalho, influencia a intensidade e o tipo de sofrimento que experimentamos. Além disso, fatores como opressão social com base em raça, gênero e sexualidade também moldam as experiências de sofrimento de maneira objetiva.

Embora o sofrimento seja influenciado por fatores materiais e objetivos, também é moldado por interpretações e significados culturais e históricos. A maneira como entendemos e lidamos com o sofrimento é influenciada pelas ideias que são socialmente construídas sobre ele. Por exemplo, a forma como uma pessoa vivencia um diagnóstico médico, como TDAH, pode variar dependendo das crenças e entendimentos culturais que ela possui.

As ideologias, incluindo aquelas produzidas pela ciência biomédica, desempenham um papel significativo na interpretação e categorização do sofrimento humano. Diagnósticos médicos podem não apenas descrever o sofrimento, mas também validá-lo através de uma lente científica.

Por fim, o sofrimento é uma categoria social porque está fundamentada no trabalho histórico e social realizado para enfrentá-lo, seja através de avanços técnicos e científicos, ou de práticas culturais e políticas. A experiência de sofrimento psicológico de uma pessoa está determinada tanto por fatores materiais e objetivos quanto por interpretações culturais e sociais, assim como pelas formas de cuidado disponíveis e acessíveis em um determinado contexto histórico e social.

Como a psicologia histórico-cultural cuida do sofrimento psicológico

Sofrimento psicológico no capitalismo

No capitalismo, que se sustenta pela exploração do trabalho e promove a ideologia do produtivismo, o sofrimento psicológico é inevitavelmente gerado e, ao mesmo tempo, é negada ao indivíduo a capacidade de lidar de forma autônoma com esse sofrimento.

O sistema enfatiza a necessidade de produtividade como um requisito fundamental para seu funcionamento, o que torna o sofrimento uma experiência indesejável, pois é vista como uma barreira à eficiência produtiva.

Além disso, o capitalismo neoliberal promove uma mentalidade individualista, na qual o sofrimento é frequentemente interpretado como uma falha pessoal do indivíduo, incentivando a culpabilização do próprio sujeito pelo seu próprio infortúnio.

Nesse contexto, o acesso aos cuidados de saúde é muitas vezes transformado em uma mercadoria, disponível apenas para aqueles que têm os meios financeiros para pagar por eles. Sob essa ideologia, explicações medicalizantes são preferidas, pois oferecem uma justificativa que exime o indivíduo de culpa individual, rotulando o sofrimento como um transtorno médico. Isso desvia a atenção de análises políticas mais profundas que poderiam abordar as causas estruturais do sofrimento e possibilitar sua superação.

Psicologia histórico-cultural: como cuidar do sofrimento psicológico?

A psicologia histórico-cultural aborda o sofrimento psicológico de uma maneira diferente das abordagens tradicionais. Em vez de focar apenas nos aspectos individuais ou biológicos do sofrimento, ela considera os contextos sociais, culturais e históricos que contribuem para ele. Aqui estão algumas maneiras pelas quais a psicologia histórico-cultural pode tratar o sofrimento psicológico:

Contextualização do sofrimento: Em vez de isolar o indivíduo e seu sofrimento, a psicologia histórico-cultural examina o contexto social e cultural no qual o sofrimento está inserido. Isso envolve entender como as condições sociais, políticas e econômicas afetam a experiência do indivíduo.

Análise das relações sociais: A psicologia histórico-cultural considera as relações sociais como fundamentais para a compreensão do sofrimento psicológico. Isso inclui examinar as dinâmicas de poder, as estruturas de classe, as relações de gênero e outras formas de opressão que podem contribuir para o sofrimento.

Ênfase na mediação cultural: A cultura desempenha um papel crucial na forma como o sofrimento é percebido, expresso e tratado. A psicologia histórico-cultural valoriza a compreensão das normas culturais, crenças e práticas que moldam a experiência do sofrimento e influenciam os métodos de tratamento.

Abordagem colaborativa: Em vez de adotar uma abordagem paternalista, a psicologia histórico-cultural promove a colaboração entre o terapeuta e o cliente. Isso envolve reconhecer o conhecimento e a experiência do cliente como recursos importantes no processo de tratamento.

Ênfase na transformação social: Além de tratar o sofrimento individual, a psicologia histórico-cultural busca abordar as causas estruturais do sofrimento e promover a mudança social. Isso pode incluir o envolvimento em ativismo político, advocacy e outras formas de ação social.

A atuação dos profissionais de psicologia que atuam dentro da abordagem histórico-cultural também faz uso da patopsicologia e outros métodos interventivos para promover a saúde o bem-estar dos pacientes.
Conheça mais sobre o meu trabalho e as possibilidades que o atendimento clínico da psicologia histórico-cultural oferecem para lidar com o sofrimento psicológico.

Conheça meu trabalho como psicólogo histórico-cultural
Raphael Granucci Pequeno
Raphael Granucci Pequeno

Psicólogo clínico da abordagem histórico-cultural, escritor e pesquisador

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