Bluma Zeigarnik foi uma figura significativa na psicologia do século XX, conhecida por suas contribuições para o entendimento dos processos cognitivos e da memória.
Enquanto ainda estava na universidade na Rússia, durante os anos 1910, Zeigarnik se destacou como uma das primeiras mulheres a se formar em um ambiente predominantemente masculino. Seu percurso acadêmico a levou a Berlim, onde teve a oportunidade de trabalhar com Kurt Lewin, um dos pioneiros da Teoria de Campo na psicologia.
Foi sob a orientação de Lewin que Zeigarnik identificou e estudou um fenômeno psicológico que posteriormente seria nomeado em sua homenagem: o Efeito Zeigarnik. Esse efeito descreve a tendência das pessoas a lembrar-se mais facilmente de tarefas incompletas do que das concluídas, fornecendo insights valiosos sobre a natureza da motivação e da memória.
Apesar de suas contribuições significativas para a psicologia, Bluma Zeigarnik enfrentou desafios políticos em sua vida. Na década de 1980, ela recebeu o prestigioso Kurt Lewin Award, porém, devido a restrições governamentais, não pôde deixar a Rússia para receber o prêmio pessoalmente. Infelizmente, Zeigarnik faleceu cinco anos depois, sem a oportunidade de ser devidamente reconhecida por suas realizações.
Contribuições de Bluma Zeigarnik para a psicologia
Foram várias as contribuições de Bluma Vulfovna Zeigarnik para a psicologia soviética e para todo o mundo. Muitas delas foram essenciais para enriquecer a Psicologia Histórico-Cultural, de Vigotski. Com uma carreira longa, ela teve a oportunidade de se aprofundar sobre diversos temas e criar muitas teorias.
Movimento Gestaltista
Bluma Zeigarnik contribuiu significativamente para o movimento gestaltista de Berlim entre 1922-1926, trabalhando com Kurt Lewin. Juntos, eles desenvolveram a ideia de “estruturação” na formação dos fenômenos psíquicos, destacando a inter-relação dinâmica entre sujeito e ambiente. Essa dinâmica influencia a produtividade da ação e da memória, como evidenciado pela descoberta do “Efeito Zeigarnik” em 1927. Este efeito revela que lembramos melhor de tarefas incompletas do que das concluídas, devido à tensão e necessidades não resolvidas associadas a elas.
Patologia do pensamento
Bluma Zeigarnik criticou ativamente várias teorias predominantes sobre a patologia do pensamento:
a) A Psicologia Funcionalista, que sugere que as alterações no pensamento são resultantes de mudanças nos “antecedentes” do intelecto, como memória e atenção.
b) A Psicologia Compreensiva (Spranger) e Psicologia Descritiva (Dilthey), que defendem que a natureza deve ser “explicada”, enquanto a mente apenas “compreendida”. Os psiquiatras alemães que apoiavam essa ideia consideravam que a esquizofrenia era causada por uma estrutura “espiritual” original insuficiente, resultando em uma “hipotonia da consciência” que determinava a sintomatologia da patologia do pensamento.
c) O Pensamento Autista (Bleuler), que contrasta o pensamento real, reflexo do mundo objetivo, com o pensamento autista dos esquizofrênicos, que não se estrutura com base na realidade ou nas leis da lógica, mas é guiado por “necessidades de tipo afetivo”.
Zeigarnik definiu o pensamento como generalização e medição do reflexo da realidade, incorporando esses conceitos na teoria geral da atividade de Leontiev. Ela desenvolveu uma metodologia para estudar a patologia do pensamento, incluindo testes de classificação de objetos, exclusão do objeto inadequado, método pictográfico, evocação mediada, compreensão do sentido figurado e estabelecimento da sequência de eventos.
Ela observou experimentalmente que as perturbações do pensamento podem ser características tanto para grupos nosológicos quanto para estados específicos de pacientes, sugerindo sua utilidade para uma abordagem sistêmica da doença. No entanto, ela alertou contra o uso linear e unívoco dos dados, destacando a importância da interação clara com os dados clínicos para um diagnóstico adequado e uma terapia eficaz.
Patopsicologia
A Patopsicologia, segundo Bluma Zeigarnik, é uma disciplina dedicada ao estudo das alterações psíquicas causadas por doenças cerebrais. Ela possui suas próprias leis e estrutura, investigando as mudanças detectáveis no pensamento e nos processos psíquicos. Considerada um ramo da Psicologia Geral, a Patopsicologia segue seus princípios teóricos, mas é aplicada como suporte à prática psiquiátrica.
Um aspecto interessante da abordagem de Zeigarnik é sua ênfase na análise das alterações nos processos psíquicos como uma ferramenta para compreender o desenvolvimento do funcionamento psicológico normal. É importante distinguir o campo de atuação da Patopsicologia em relação à Psicopatologia, outro ramo da Psicologia e Psiquiatria. Embora ocasionalmente compartilhem objetos de estudo, Zeigarnik destaca a necessidade de uma clara delimitação entre os dois.
Enquanto a Psicopatologia Geral, como parte da medicina, se concentra nos sintomas e síndromes típicos de distúrbios mentais, a Patopsicologia, como parte da ciência psicológica, investiga a estrutura das alterações psíquicas e as leis que regem essas mudanças em comparação com o funcionamento psicológico saudável.
Zeigarnik demonstra uma preocupação profunda com a personalidade dos pacientes afetados por distúrbios psicopatológicos, propondo uma revisão dos conceitos de sintoma e personalidade. Ela argumenta que esses conceitos são frequentemente abordados nos tratados clássicos de psiquiatria como alterações na função psíquica ou nos processos fisiológicos, mas Zeigarnik advoga por uma análise mais abrangente, considerando a personalidade total do indivíduo, incluindo mudanças em atitudes, necessidades e interesses fundamentais.
Metodologia da Patopsicologia
A metodologia utilizada na pesquisa patopsicológica inclui experimentos psicológicos para diagnóstico diferencial, análise da estrutura das alterações nos processos psíquicos e investigação do grau de alteração desses processos. Esses métodos permitem uma compreensão mais profunda das alterações psíquicas e sua relação com a saúde mental, fornecendo insights importantes para o diagnóstico e tratamento adequados, conforme também defendido por Vigotski.
Teoria da Personalidade
Nos últimos anos de sua vida, Bluma Zeigarnik concentrou-se no estudo das teorias de personalidade em todo o mundo. Ela observou uma crise evidente em várias escolas de pensamento e investigou as bases metodológicas subjacentes a elas, buscando maneiras de superar essas dificuldades, muitas das quais dentro de uma perspectiva marxista.
Zeigarnik identificou um elemento comum em quase todas as escolas: a emergência da personalidade como uma entidade independente, muitas vezes explicada de forma isolada. Ela examinou profundamente diferentes teorias de personalidade, incluindo as influências biológicas de Sigmund Freud e seus seguidores, assim como as tentativas de sociologização da psicanálise por Carl Jung, Karen Horney, Erich Fromm e outros.
Ao analisar as concepções humanistas da personalidade, Bluma Zeigarnik comparou a estrutura da personalidade saudável com o estudo das personalidades neuróticas. Ela também criticou abordagens existencialistas e sociológicas, destacando a falta de uma teoria abrangente do desenvolvimento e formação da personalidade nessas perspectivas.
Seus estudos mais recentes se concentraram nas diferentes visões marxistas da personalidade como produto das relações sociais. Zeigarnik examinou detalhadamente as ideias de Lucien Seve e sua relação com as de A.N. Leontiev.
Além disso, Zeigarnik explorou a relação entre teorias de personalidade e prática psicoterapêutica, reconhecendo a influência da experiência clínica na popularização dessas teorias. Mesmo aos 85 anos, ela continuava trabalhando nesses temas, destacando sua dedicação duradoura ao campo da psicologia da personalidade e sua relevância contínua para a prática terapêutica.
Efeito Zeigarnik: o que é?
Entre suas grandes contribuições, o efeito Zeigarnik talvez seja o mais conhecido e bastante articulado com as ideias de aumento de produtividade hoje em dia.
O Efeito Zeigarnik, descoberto pela psicóloga russa, revela a tendência humana de lembrar-se mais facilmente de tarefas incompletas do que das finalizadas. Imagine seu cérebro como um filtro: as informações das tarefas pendentes são retidas, muitas vezes causando um certo remorso, enquanto as concluídas são consideradas dispensáveis e esquecidas.
Essa dinâmica explica por que você pode não se lembrar da Fórmula de Bhaskara, mas sabe exatamente onde deixou as chaves de casa. Como encontrar as chaves é uma tarefa útil, seu cérebro se esforça para mantê-la em mente, enquanto a fórmula matemática é descartada por não ser relevante para suas atividades diárias.
Embora esse sistema pareça lógico, é considerado um viés cognitivo, já que o cérebro ocasionalmente falha na categorização, considerando informações importantes como irrelevantes e vice-versa. Por isso, aquela música irritante do comercial continua ecoando em sua mente, enquanto os recentes estudos sobre investimentos parecem ter sido enviados direto para a incineração mental.
Bluma Zeigarnik e a Psicologia Histórico-Cultural
Bluma Zeigarnik contribuiu para a psicologia histórico-cultural por meio de suas pesquisas e teorias, que se alinham em certa medida com os princípios fundamentais dessa abordagem psicológica.
A psicologia histórico-cultural, desenvolvida principalmente por Lev Vigotski e seus seguidores, enfatiza a influência do contexto social e cultural no desenvolvimento humano, destacando a importância das interações sociais e das práticas culturais na formação da mente.
Bluma Zeigarnik, por sua vez, investigou fenômenos psicológicos que evidenciam a influência do contexto e das experiências individuais na cognição e no comportamento humano. Sua pesquisa sobre o Efeito Zeigarnik, que destaca a tendência das pessoas lembrarem mais facilmente de tarefas incompletas do que das finalizadas, ressoa com a ideia de que a motivação e a atenção estão intimamente ligadas ao contexto em que uma atividade é realizada.
Além disso, Zeigarnik abordou a patopsicologia, investigando alterações psíquicas decorrentes de doenças localizadas no cérebro, o que pode ser interpretado à luz da psicologia histórico-cultural como uma análise das influências do ambiente e das condições biológicas no funcionamento psicológico.
Embora Bluma Zeigarnik não seja diretamente associada à psicologia histórico-cultural, suas contribuições e pesquisas compartilham uma afinidade conceitual com os princípios dessa abordagem, especialmente no que diz respeito à compreensão do desenvolvimento humano em um contexto sociocultural.