Bases epistemológicas da Psicologia Histórico-Cultural

Quais são as bases epistemológicas da psicologia histórico-cultural e como elas influenciam a prática clínica

A prática da Psicologia Histórico-Cultural não pode prescindir de suas bases epistemológicas, e isso se deve ao fato de que o conhecimento jamais surge a partir do vazio; ele sempre se desenvolve com base em referências e fundamentos.

Este princípio é especialmente relevante quando se trata de Lev Vygotsky, cuja teoria se concentra na subjetividade como um elemento intrinsecamente histórico e cultural.

No entanto, observamos uma tendência na Psicologia Histórico-Cultural que busca, de certa forma, desassociar a abordagem de suas raízes, principalmente do marxismo. É importante destacar que uma prática clínica baseada na abordagem histórico-cultural não pode prescindir do contínuo processo de estudo, conexão e revisitação de suas bases epistemológicas.

Embora Vygotsky tenha construído sua própria teoria, que não se alinha de maneira exata às suas bases epistemológicas, é importante enfatizar que a construção de sua teoria não seria possível sem essas bases.

Portanto, é imperativo que sempre retornemos às bases para compreender as possibilidades da prática clínica histórico-cultural de maneira mais profunda e rica.

O que são “bases epistemológicas”?

As bases epistemológicas se referem aos fundamentos filosóficos e teóricos que sustentam um campo específico de conhecimento, uma disciplina acadêmica ou uma área de estudo.

A palavra “epistemologia” deriva do grego “episteme,” que significa conhecimento, e “logos,” que significa estudo ou teoria.

As bases epistemológicas são essenciais para compreender como o conhecimento é produzido, validado e disseminado em uma determinada área do conhecimento. 

As bases epistemológicas variam de uma área do conhecimento para outra. Por exemplo, a epistemologia da física pode se concentrar em questões relacionadas à observação, experimentação e teorização na física, enquanto a epistemologia da psicologia pode abordar as complexidades da pesquisa empírica, métodos de estudo de casos e questões éticas.

Marxismo na base epistemológica da Psicologia Histórico-Cultural

Lev Vygotsky, nascido na Rússia em 1896, desempenhou um papel crucial no campo da psicologia durante um período particularmente tumultuado da história, que incluiu a Revolução Bolchevique de 1917 e seus turbulentos desdobramentos.

Esse contexto e suas interações pessoais tiveram um impacto profundo tanto em sua vida quanto em sua carreira como psicólogo, influenciando também nas bases epistemológicas da Psicologia Histórico-Cultural.

Um dos principais objetivos de Vygotsky foi a construção de uma psicologia geral de natureza dialética. Sua motivação para isso surgiu de uma análise crítica da “crise da psicologia” em sua época.

Por um lado, ele observou teorias excessivamente idealistas que negligenciavam questões objetivas. Por outro lado, encontrou teorias que se concentravam estritamente no aspecto objetivo, sem levar em consideração a subjetividade.

A solução que Vygotsky encontrou foi a dialética, um método que lhe permitiu integrar elementos divergentes e desenvolver uma visão do sujeito enraizada na realidade concreta. A influência da base marxista foi fundamental em seus estudos, proporcionando-lhe as ferramentas necessárias para superar concepções restritivas e dualistas e criando as bases epistemológicas de sua teoria.

No entanto, é importante destacar que Vygotsky não propunha uma simples aplicação direta do marxismo à psicologia. Em vez disso, ele buscava uma compreensão abrangente do método marxista para elaborar uma psicologia histórico-cultural que se fundamentasse na dialética.

Esse enfoque permitiu-lhe transcender as divisões simplistas e estabelecer uma abordagem mais holística e integradora para a compreensão da mente humana.

Base epistemológica: Como Karl Marx influenciou Vygotsky na Psicologia Histórico-Cultural

Marx e a clínica histórico-cultural

Assim como o materialismo histórico-dialético serviu como fundamento para a abordagem de Vygotsky, ele também desempenha um papel essencial na prática clínica.

Afinal, é a partir desse arcabouço teórico que a Psicologia Histórico-Cultural (PHC) se desenvolve. Isso nos leva a explorar novas perspectivas para o atendimento clínico, permitindo-nos enxergar a pessoa em terapia dentro de seu contexto de desenvolvimento sócio-cultural.

A abordagem histórico-cultural do processo de subjetivação destaca que uma clínica orientada por essa teoria não pode se restringir a práticas individualistas. Nesse sentido, o sujeito é compreendido em seu processo de subjetivação através das lentes das relações sociais, do contexto histórico em que está inserido e dos processos de produção que o afetam.

A influência do pensamento marxista em Vygotsky deixa-nos um legado valioso na busca pela superação dos dualismos na Psicologia, especialmente através do uso do método dialético.

A prática clínica, portanto, não busca estabelecer distinções rígidas entre mente e corpo, indivíduo e sociedade, ou aspectos objetivos e subjetivos. O objetivo, de acordo com suas bases epistemológicas, é adotar uma perspectiva integrada e dialética, que compreenda a complexa interconexão desses elementos no processo de compreensão e tratamento do indivíduo.

Espinosa e Vygotsky: as influências na teoria Histórico-Cultural

Além de Karl Marx, outra figura que exerceu uma influência significativa na moldagem da psicologia histórico-cultural foi Baruch de Espinosa, um autor que ocupou um lugar de destaque no coração de Lev Vygotsky. A influência de Espinosa na obra de Vygotsky se estende por todas as fases de sua produção acadêmica, deixando uma marca profunda nas bases epistemológicas dessa teoria, tanto para a psicologia quanto para a educação.

Espinosa emerge de maneira proeminente nas obras vigotskianas, particularmente em seus estudos sobre emoções. Inspirado pelos escritos de Espinosa, Vygotsky propôs uma abordagem psicológica que rompia com a divisão tradicional entre corpo e mente, cognição e afeto, razão e emoção.

Em vez disso, ele adotou uma perspectiva monista, que via as emoções como funções psicológicas superiores integradas a um todo indivisível.

O pensamento de Espinosa, assimilado e incorporado pelo psicólogo bielorrusso, confrontou de maneira fundamental o paradigma cartesiano, que tradicionalmente separava e fragmentava todos esses elementos.

Uma das influências mais evidentes de Espinosa sobre Vygotsky foi a ênfase dada por ambos à temática das emoções e dos afetos em suas respectivas obras, reconhecendo-os como uma dimensão intrínseca e inalienável da experiência psíquica humana. Esse enfoque revolucionário trouxe uma nova compreensão das emoções, contribuindo para uma visão mais holística e integrada do funcionamento humano na psicologia histórico-cultural.

Espinosa e a clínica histórico-cultural

A influência de Baruch de Espinosa na base teórica de Vygotsky também se manifesta na prática clínica quando compreendemos que as funções psicológicas superiores estão intrinsecamente entrelaçadas.

Nesse contexto, as emoções não são subestimadas em relação ao pensamento, mas são reconhecidas como uma peça central na vida psíquica e na formação da subjetividade.

Um conceito-chave que reflete essa influência espinosana é o de “afeto íntegro.” Este termo é central para a compreensão do trabalho de Vigotski, especialmente no que diz respeito às emoções e afetos, uma área que ele explorou profundamente nos últimos anos de sua vida.

Ele enfatizou como as emoções estão integralmente conectadas à nossa vida psíquica, não como um elemento à parte, mas como um componente intrínseco da nossa existência.

A ideia de afeto íntegro implica na harmonização e integração dos aspectos somáticos e psicológicos, permitindo uma sincronia e equilíbrio entre as funções cognitivas, emocionais e outros aspectos da experiência humana.

A abordagem clínica histórico-cultural, com suas atividades mediadoras, apresenta um potencial notável para reunir cognição e afeto, promovendo a criação de estados de afeto íntegro. Esse enfoque busca superar a divisão tradicional entre cognição e afeto, característica do modelo de relação do capital, em prol de uma compreensão mais saudável e integrada do funcionamento psicológico humano.

Base epistemológica: Como Espinosa influenciou Vygotsky na Psicologia Histórico-Cultural?

Base epistemológicas da Psicologia Histórico-Cultural: resumindo

Em resumo, a influência de Marx e Espinosa na psicologia histórico-cultural é marcante. A base marxista oferece um enquadramento teórico para a compreensão das dimensões sociais e econômicas do desenvolvimento humano, enquanto os princípios de Espinosa enfatizam a unidade da mente e do corpo, bem como a importância das emoções e relações sociais.

Esses elementos contribuíram para uma abordagem holística e socialmente contextualizada da psicologia que caracteriza a psicologia histórico-cultural.

Influência de Marx

  • Base filosófica: A psicologia histórico-cultural tem raízes no materialismo histórico-dialético de Marx, que enfatiza a importância das condições sociais e econômicas na formação da consciência e do comportamento humano. A base filosófica marxista da psicologia histórico-cultural reconhece que a sociedade desempenha um papel central na maneira como as pessoas pensam, sentem e se comportam.
  • Concepção de história: Marx desenvolveu a ideia de que a história é impulsionada por contradições sociais e econômicas. Essa perspectiva é incorporada na psicologia histórico-cultural, que vê o desenvolvimento humano como um processo intrinsecamente ligado à evolução da sociedade.
  • Abordagem crítica: A influência de Marx na psicologia histórico-cultural inclui uma abordagem crítica das estruturas sociais existentes. Isso se traduz na análise das desigualdades sociais, da opressão e da alienação como fatores que impactam a saúde mental e o desenvolvimento individual.

Influência de Espinosa

  • Monismo: A influência de Espinosa é evidente na rejeição da dicotomia mente-corpo e na adoção de uma perspectiva monista, que vê o corpo e a mente como aspectos interligados da experiência humana. Espinosa argumentou que a mente e o corpo são partes de uma substância única e inseparável, e Vigotski incorporou essa visão na psicologia histórico-cultural.
  • Integração de emoções e pensamento: Espinosa desafiou a ideia de que as emoções deveriam ser separadas do pensamento. Ele via as emoções como parte integrante da experiência humana e da cognição. Isso influenciou a ênfase na psicologia histórico-cultural na importância das emoções e afetos na compreensão do desenvolvimento humano.
  • Relações sociais e afetivas: Espinosa também destacou a importância das relações sociais e afetivas para a formação da subjetividade. Sua visão de que as emoções estão enraizadas em relações sociais é consistente a ponto de se tornar uma questão essencial entre as bases epistemológicas da abordagem histórico-cultural, que enfatiza a importância do contexto social na formação da psique.
Conheça meu trabalho como psicólogo histórico-cultural
Raphael Granucci Pequeno
Raphael Granucci Pequeno

Psicólogo clínico da abordagem histórico-cultural, escritor e pesquisador

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