As funções psicológicas superiores e elementares fazem parte da grande contribuição de Lev Vigotski para a psicologia.
Vigotski buscava escapar das limitações simplificadoras das abordagens objetivistas da Psicologia comportamental (como a Reflexologia, a Reactologia e o pavlovismo), mas ao mesmo tempo evitava cair nas armadilhas do subjetivismo e do idealismo. Desta forma, podemos dizer que ele contribuiu muito para um psicologia de base materialista.
Desde cedo, Lev Vygotsky destacava a origem social da consciência, enfatizando o papel crucial da linguagem na formação da consciência.
Ele deixou claro que os aspectos subjetivos não existem isoladamente, mas estão intrinsecamente ligados ao contexto espaço-temporal e às suas causas subjacentes. Ele advogava pela unidade entre a psique e o comportamento.
Nesse contexto de debate, Vygotsky introduzia sua concepção do eu.
Ele argumentava que o eu se desenvolve na interação com os outros, por meio de um sistema de reflexos reversíveis, em que a palavra desempenha uma dupla função: ela é um meio de contato social e, ao mesmo tempo, um elemento formador do comportamento social e da consciência. Em casos como de neurose, por exemplo, essas funções podem estar desorganizadas.
“As funções se constroem primeiro no coletivo, em forma de relações entre as crianças; depois, convertem-se em funções psíquicas da personalidade”
Vigotski
Quais são as funções psicológicas superiores e inferiores
Para entender a importância do conceito que Vygotsky trouxe para a psicologia, é necessário diferenciar quais são as funções psicológicas elementares e as funções psicológicas superiores.
Funções Psicológicas Elementares
Vigotski descreveu as funções psicológicas elementares como processos mentais que são inatas e que os seres humanos compartilham com outros animais. Essas funções são mais primitivas e incluem coisas como a atenção involuntária, a memória sensorial e as reações reflexas.
Elas são menos dependentes do contexto cultural e são consideradas menos complexas do que as funções psicológicas superiores.
Funções Psicológicas Superiores
As funções psicológicas superiores, por outro lado, são habilidades mentais mais complexas que se desenvolvem através da interação social e da mediação cultural. Essas funções não são inatas, mas emergem e se aprimoram com a experiência e a interação com o ambiente.
Elas envolvem o uso de símbolos, linguagem e ferramentas para resolver problemas e planejar ações. As funções psicológicas superiores incluem coisas como pensamento abstrato, memória, planejamento estratégico, resolução de problemas complexos e autorregulação.
Como surgem as funções psicológicas superiores (FPS)
Uma vez que Vigotski se baseia no materialismo dialético de origem marxista para estabelecer os alicerces da evolução do psiquismo, ele aborda a trajetória do desenvolvimento humano a partir da fase mais básica da estrutura psíquica, começando pelos processos involuntários de ordem biológica (funções psicológicas inferiores).
Quando essas estruturas psíquicas primitivas entram em contato com os elementos culturais, elas evoluem através da mediação da atividade prática humana, como o uso de ferramentas, a divisão do trabalho social e a necessidade intrínseca de interação social.
O desdobramento histórico e social da humanidade culmina na subsequente evolução psíquica, que Vigotski denomina de Funções Psicológicas Superiores. O surgimento das Funções Psicológicas Superiores (FPS) está condicionado pelas influências do ambiente que permeiam as experiências do indivíduo desde o seu nascimento.
Consequentemente, as funções psicológicas evoluem de uma natureza natural para uma natureza cultural quando são mediadas. Através da mediação de outras pessoas, o indivíduo transforma as relações sociais em funções psicológicas que passam a operar como intrínsecas à sua própria personalidade.
Importância da FPS na Psicologia Histórico-Cultural
Para Vigotski, a consciência é a habilidade do ser humano para contemplar a própria atividade, ou seja, a ação é ponderada no indivíduo que adquire consciência da atividade em questão. De forma resumida, podemos afirmar que a consciência é o agente da atividade. Existe uma conexão íntima entre os conceitos de consciência e de agente.
Para compreender a relação entre as funções psicológicas superiores e as funções psicológicas inferiores, Vigotskise valeu de um conceito da dialética hegeliana, a noção de superação.
Hegel delineia o duplo significado da expressão “superar”, que envolve tanto a eliminação e negação quanto a conservação. Nessa perspectiva, as funções psicológicas elementares não são simplesmente eliminadas, mas sim incorporadas; elas sofrem uma transformação e são preservadas nas funções psicológicas superiores, como uma dimensão subjacente.
O nível inferior não é anulado quando o novo surge, mas sim superado por ele, sendo dialeticamente negado pelo novo, e passa a existir dentro do novo contexto. Na dinâmica das funções psicológicas superiores, não há uma função que predomina de forma exclusiva; todas estão interligadas.
Entretanto, em determinados momentos, uma função pode emergir mais proeminentemente, estabelecendo uma hierarquia entre as funções.
Hierarquia situacional das funções psicológicas
É importante notar que essa hierarquia é situacional. Os sentimentos, pensamentos e vontades estão entrelaçados, assim como todas as funções psicológicas. Em outras palavras, não há uma função isolada, nem um pensamento puro, e tampouco um afeto desprovido de influências, mas sim conexões funcionais contínuas na consciência.
Nesse contexto, os sentimentos, quando conscientes, são permeados pelos pensamentos, e os pensamentos são influenciados pelos sentimentos, sendo que ambos ocorrem a partir dos processos volitivos e influenciam esses mesmos processos.
Ainda segundo Vigotski, nada existe de forma isolada; as funções psicológicas superiores não surgem independentemente das relações sociais que as enriquecem. Portanto, é por meio das interações entre indivíduos e por meio deles que as funções psicológicas superiores se formam.
Através da conexão com outras pessoas, ocorre a transformação dos processos que se manifestam no âmbito social em processos que ocorrem no âmbito individual:
“Um indivíduo ordena e outro cumpre. O indivíduo ordena a si mesmo e ele mesmo cumpre”
Vigotski
Esse processo é aplicável tanto para cada uma das funções psicológicas superiores quanto para a formação da personalidade de um indivíduo, ou seja, a personalidade assume sua forma com base em como é percebida pelos outros:
“A personalidade se converte para si naquilo que ela é para os demais, através do que ela se apresenta aos demais”
Vigotski
Vigotski enfatizou a distinção entre o desenvolvimento cultural e social da conduta psicológico-cultural e o desenvolvimento biológico-natural, argumentando que o desenvolvimento psicológico tem características únicas e é principalmente caracterizado pelo desenvolvimento (criação e utilização) de signos.
Logo, na clínica histórico-cultural as funções superiores devem ser a matéria que os psicólogos utilizam para compreender e analisar os indivíduos.