Marxismo Queer: Questões LGBTQIAPN+ na Psicologia Dialética

Marxismo queer: o que é?

O marxismo queer é uma corrente teórica que funde conceitos do marxismo e da teoria queer para analisar e criticar as estruturas sociais, econômicas e culturais que moldam as experiências de pessoas LGBTQIAPN+.

Ele busca entender como a opressão de classe e a exploração capitalista se entrelaçam com questões de gênero e sexualidade, destacando a necessidade de uma análise interseccional que considere múltiplas formas de opressão simultaneamente.

O marxismo queer oferece uma abordagem integrada e crítica para a análise das dinâmicas de poder em sociedades contemporâneas. Ele busca articular a luta de classes com a luta contra a opressão de gênero e sexualidade, oferecendo uma perspectiva transformadora e inclusiva para entender e combater a opressão em múltiplas frentes.

Queer: o que é de acordo com o marxismo LGBT?

Nossa compreensão de queer, dentro do marxismo, vai além da teoria queer acadêmica e abrange um campo mais amplo e diversificado de abordagens, práticas e políticas do corpo no contexto das relações sociais, incluindo práticas ativistas, que chamamos de ideia queer. Apesar da diversidade de suas concepções e práticas, é possível identificar características-chave associadas à ideia queer, permitindo que todas existam sob um único termo.

Em primeiro lugar, a ideia queer representa uma crítica à política de identidade, baseando-se em um antiessencialismo radical. Isso significa que gênero e sexualidade, assim como outras identidades, não são naturais e inatos, mas fenômenos sociais moldados por condições culturais e históricas específicas. Nas palavras de David Halperin, a identidade queer “é uma identidade sem essência”.

Em segundo lugar, a ideia queer enfatiza a conexão entre identidade, exclusão e estigma. O ativista e escritor queer Hugh Ryan, em seu texto “Por que todo mundo não pode ser queer”, destaca que a palavra inglesa queer é usada tanto como insulto quanto como rótulo reapropriado por ativistas políticos para designar sexualidades e identidades de gênero marginais.

O marxismo queer no acolhimento de pessoas LGBT

Segundo Ryan, o termo “marginalizado” é fundamental para entender o significado político da ideia queer:

“Não se trata de seus comportamentos ou identidades sexuais específicos; em vez disso, é sobre como essas coisas são avaliadas pela cultura ao seu redor. Esta é a essência do queer: ser queer é ser julgado e encontrar comunidade com outros que foram julgados de forma semelhante.”

Hugh Ryan

Portanto, declarar-se queer não é renunciar a todas as identidades possíveis para ser “simplesmente humano”, pois, nessa perspectiva, a ideia queer perderia todo o seu conteúdo político. Politicamente, chamar-se queer significa se opor ao sistema social de distribuição de bens e privilégios baseado em uma política de identidade que define o “normal” e vê outras identidades como “desviantes”.

A compreensão de que identidades e exclusões são dependentes de condições culturais e históricas leva a uma conclusão ética e política significativa: essas condições podem e devem ser mudadas.

Assim, definimos o terceiro aspecto da ideia queer em termos de seu radicalismo político e ético. Este aspecto representa um modo máximo de pressão política, um “grau de queeridade” sobre o qual os dois aspectos anteriores se constroem.

O horizonte político da ideia queer difere radicalmente do movimento LGBT mainstream, cujo objetivo é normalizar sexualidades e identidades de gênero diversas. A normalização é alcançada acentuando semelhanças e suavizando diferenças, argumentando que homossexuais não diferem em nada dos heterossexuais porque também valorizam o amor, a família e desejam criar filhos. Para a ideia queer, a normalização é um conceito hostil. 

Queer é o grito de guerra do desvio”

Hugh Ryan

A ideia do marxismo queer não enfatiza identidade e semelhança, mas diferença e particularidade, desafiando o pensamento político estabelecido que antecipa a identidade como base da ação coletiva. A ideia queer propõe uma política de coalizão da diferença para substituir uma política identitária de semelhança. No entanto, a atenção às diferenças não é o mesmo que a exclusão do comum.

Na política de coalizão, o comum não é uma pré-condição, mas sim o resultado, o horizonte de ação coletiva em que se realiza um dos principais princípios comunistas: o livre desenvolvimento de cada um é a condição para o livre desenvolvimento de todos. Esse projeto político, baseado em uma dialética entre o particular e o universal, é o que chamamos de marxismo queer.

Marxismo queer e interseccionalidade

A ideia de interseccionalidade no marxismo queer

O marxismo LGBT sustenta que a exploração capitalista não é apenas um fenômeno universal, onde uma maioria absoluta é forçada a vender sua força de trabalho ao capital, mas também possui um caráter particular.

Para mulheres, pessoas LGBTQIAPN+, indivíduos de diferentes grupos étnicos, pessoas com habilidades limitadas e pessoas com problemas de saúde mental, surgem condições específicas de exclusão e exploração. Essa perspectiva é enriquecida pela noção de interseccionalidade, conforme delineada por Angela Davis, que enfatiza que as várias formas de opressão e exploração não operam isoladamente, mas se interseccionam e se reforçam mutuamente.

O método do marxismo queer de combater essa subjugação é unir-se em um movimento de coalizão que não subordina as necessidades específicas de diferentes grupos a um objetivo universal, mas reconhece que cada necessidade particular deve ser tratada como universal.

A experiência específica de exploração molda a forma como diferentes grupos imaginam um futuro sem exploração. Portanto, o movimento de libertação da coalizão deve desenvolver uma visão do futuro que seja o mais inclusiva possível, refletindo as necessidades e aspirações de grupos diversos.

Aqui, é relevante lembrar uma das teses-chave da feminista marxista Heidi Hartmann: “uma luta para estabelecer o socialismo deve ser uma luta na qual grupos com interesses diferentes formam uma aliança”, e esses grupos devem ter suas próprias “organizações e poder de base”.

Esta visão destaca a importância de reconhecer e respeitar as necessidades e lutas específicas de cada grupo dentro da coalizão, garantindo que todas as vozes sejam ouvidas e consideradas na construção de um futuro mais justo e igualitário.

Assim, o marxismo queer promove uma política de coalizão das diferenças em vez de uma política identitária baseada na semelhança. A atenção às diferenças não exclui o comum; na política de coalizão, o comum é o resultado da ação coletiva, concretizando o princípio comunista de que o livre desenvolvimento de cada um é a condição para o livre desenvolvimento de todos.

Esse projeto político, que integra as especificidades de cada grupo dentro de uma luta maior, é o que chamo de marxismo queer.

Marxismo Queer a Psicologia Dialética de abordagem Histórico-Cultural

O marxismo queer, com sua crítica às normas heteronormativas e capitalistas, oferece uma lente crítica adicional que pode ser aplicada à psicologia histórico-cultural. Ao considerar como o desenvolvimento psicológico é influenciado por estruturas sociais e culturais, a psicologia histórico-cultural clínica pode se beneficiar das análises do marxismo queer sobre como essas estruturas também perpetuam desigualdades de gênero e sexualidade.

Crítica à Heteronormatividade e Capitalismo

A psicologia histórico-cultural clínica pode usar a crítica do marxismo queer à heteronormatividade para compreender como normas de gênero e sexualidade impostas socialmente afetam o desenvolvimento psicológico e a saúde mental. Por exemplo, reconhecer como a pressão para conformar-se a normas heteronormativas pode levar a sofrimento psicológico em indivíduos LGBTQ+.

Interseccionalidade

Incorporando a ideia de interseccionalidade de Angela Davis, a psicologia histórico-cultural clínica pode analisar como diferentes formas de opressão interagem e afetam a saúde mental. Isso envolve olhar não apenas para a classe, mas também para gênero, raça, sexualidade e outras identidades como fatores que se interseccionam e influenciam a experiência psicológica.

Criação de Espaços de Resistência e Transformação

A psicologia histórico-cultural clínica pode ajudar a criar espaços terapêuticos que não só reconhecem, mas também resistem às normas opressivas. Isso implica em práticas que validem as experiências de indivíduos marginalizados e promovam formas de resistência às normas heteronormativas e capitalistas.

Práticas dialéticas clínicas e terapêuticas a partir do marxismo queer

Na prática clínica, essa integração pode resultar em abordagens terapêuticas mais inclusivas e sensíveis às experiências de indivíduos LGBTQ+ e outros grupos marginalizados por meio de psicólogos de esquerda.

  • Contextualização social do sofrimento psicológico: Ao aplicar os princípios do marxismo queer, os profissionais de saúde mental podem contextualizar o sofrimento psicológico dentro das estruturas sociais e culturais que o produzem, reconhecendo como a opressão sistêmica contribui para problemas de saúde mental.
  • Validação e apoio: Profissionais podem adotar uma abordagem de validação das identidades e experiências únicas de cada indivíduo, reconhecendo a legitimidade do sofrimento causado por normas sociais opressivas e oferecendo apoio específico que leva em conta essas dinâmicas de poder.
  • Promoção da resiliência e resistência: Terapias podem ser direcionadas para fortalecer a resiliência dos indivíduos e encorajá-los a desenvolver formas de resistência às normas opressivas, promovendo um senso de agência e poder pessoal.

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