A neurose também é uma preocupação da prática clínica na Psicologia Histórico-Cultural. A partir do estudo de seu desenvolvimento, os psicólogos desta abordagem podem propor maneiras dos pacientes desenvolverem suas funções psicológicas a fim de terem comportamentos mais saudáveis.
A patopsicologia, que é o estudo das alterações psíquicas como alterações da atividade, propõe diversos meios de compreendermos e tratarmos as neuroses a partir da psicologia histórico-cultural, formulada por Vigotski.
O que é a neurose para a psicologia histórico-cultural
A neurose, como os transtornos de humor (ex: ansiedade, depressão, entre outros) e os transtornos de personalidade (ex: borderline, personalidade narcisista, entre outros), deve ser entendida como um conjunto de mecanismos subjetivos da personalidade, determinando os comportamentos do indivíduo.
Conforme Bluma Zeigarnik argumenta, a atividade de uma pessoa no mundo depende de como sua personalidade se manifesta. A neurose não é um fenômeno biológico, mas algo que se desenvolve ao longo do tempo. Portanto, o adoecimento psíquico é parte integrante da personalidade.
Ao definir neurose, é mais importante focar nas manifestações funcionais do aspecto psíquico do que nos conteúdos específicos, ou seja, olhar para como ela se manifesta e se relaciona com as funções psicológicas superiores. Diferentes conteúdos podem atuar como agentes no processo neurótico.
Diferente de outras abordagens, a psicologia histórico-cultural vê a neurose não como uma entidade estática, mas como um processo dinâmico que envolve a organização da personalidade e a configuração subjetiva.
Além disso, a neurose não está ligada a um tipo específico de conflito nem a um período particular da vida. Ela possui uma etiologia complexa e multicausal.
Sintomas na neurose
A manifestação dos sintomas da neurose é multicausal e dinâmica. Existem indicadores neuróticos no funcionamento da personalidade, mas isso não significa que a personalidade seja necessariamente neurótica.
A abordagem dialética da neurose relaciona-se com a evolução conflitante da personalidade. O ser humano enfrenta diversos conflitos, e a partir desses conflitos, surgem diferentes alternativas de ação. Em qualquer momento da vida, o modo de vida e as configurações subjetivas podem levar a um estado neurótico.
De acordo com Vigotski, frequentemente, em nossa prática, os sintomas do desenvolvimento são descritos de maneira superficial e casual, como se fossem meras observações cotidianas. Esses sintomas são muitas vezes registrados na investigação pedológica com termos populares e imprecisos, usados por observadores leigos.
Como resultado, encontramos definições vagas e generalizações simplistas, como teimosia e malícia, sem uma compreensão adequada da natureza dos fatos subjacentes a essas descrições ou de sua qualificação científica.
Além disso, uma observação mais detalhada revela que um mesmo comportamento pode variar amplamente em sua intensidade e significado, dependendo do contexto em que aparece e dos elementos que o compõem.
Ou seja, Vigotski criticou a forma como, na prática pedológica (estudo do desenvolvimento infantil), os sintomas de desenvolvimento são frequentemente registrados de maneira inadequada. Ele aponta que essas descrições muitas vezes refletem observações superficiais e casualmente nomeadas, baseadas no entendimento limitado de observadores leigos (como pequenos-burgueses) e não em uma análise científica rigorosa.
É possível estender essa crítica à uma prática psicológica clínica que busca apenas detectar transtornos, sem uma preocupação real em entendê-los para que a pessoa que sofre consiga ter autonomia dessas questões.
Por isso, o profissional da psicologia histórico-cultural deve se preocupar em:
- Evitar a superficialidade dos registros: Os sintomas são frequentemente descritos de maneira superficial, sem uma análise profunda.
- Cuidado com uso de termos populares: As descrições muitas vezes utilizam termos populares e imprecisos, que não capturam a complexidade do desenvolvimento infantil.
- Buscar qualificação científica: Há uma carência de compreensão científica sobre a natureza dos sintomas e o contexto em que ocorrem.
- Olhar para a variabilidade e contexto: Um mesmo comportamento pode variar muito em sua expressão e significado, dependendo do contexto e dos elementos envolvidos. Isso sugere que uma abordagem simplista e generalizada é inadequada para capturar a verdadeira natureza do desenvolvimento infantil.
A investigação científica da neurose a partir da abordagem histórico-cultural: vale um diagnóstico?
A investigação científica segue um ciclo: inicia com a identificação dos sintomas, avança para compreender o processo subjacente e chega ao diagnóstico. Este diagnóstico deve, então, nos levar de volta aos sintomas, mas agora explicando sua causa e origem.
Se o diagnóstico estiver correto, deve confirmar-se ao revelar o mecanismo de formação dos sintomas, tornando compreensíveis as manifestações externas do processo em desenvolvimento.
A diagnose deve sempre considerar a complexa estrutura da personalidade e determinar sua dinâmica, enquanto a análise etiológica deve desvendar o mecanismo dinâmico das síndromes que expressam essa estrutura complexa.
Como defende Vigotski, a metodologia não deve apenas medir, mas também observar, pensar e conectar informações. O medo excessivo dos elementos subjetivos na interpretação e a tentativa de obter resultados de forma puramente mecânica e aritmética, como no sistema de Binet, são equivocadas.
Sem a subjetivação – isto é, sem pensamento, interpretação, análise dos resultados e exame dos dados – não há verdadeira investigação científica.
Neurose e marxismo: o papel da alienação
Muitas vezes, consideramos a obra de Marx como predominantemente econômica e estrutural. No entanto, ao examinar sua teoria da alienação, podemos estabelecer conexões com a psicologia.
A teoria da alienação de Marx enfoca especialmente o impacto psíquico, mental e emocional do trabalho no capitalismo. Ela discute como o trabalho no sistema capitalista nos separa dos nossos verdadeiros interesses e desejos, e as consequências mentais de não possuirmos os produtos do nosso trabalho e de não trabalharmos para o bem maior da humanidade, mas sim para gerar lucros.
Essas questões também são relevantes para a teoria psicológica e para o entendimento das neuroses.
O que saber da pessoa com transtorno do “espectro” da neurose
Entre os passos mais importantes para entendermos o quadro da neurose em um paciente está fazer uma anamnese que permita compreender o desenvolvimento daquela situação. Afinal de contas, a patopsicologia não busca a descrição do transtorno – isso já pode ser visto no DSM, mas sim a sua explicação.
Para isso, é possível buscar essas informações:
- Em que circunstâncias aparecem os sintomas;
- Questões relacionadas à autoconsciência do paciente;
- Quais são os recursos que ajudam a identificar as variações de humor;
- Que motivos atendem os sintomas depressivos, maníacos ou até mesmo a estabilidade;
- A relação da pessoa com suas diversas nuances (ou também os recursos pictóricos).
Neurose e a crise
As crises resultam de processos cumulativos que culminam em momentos críticos de reorganização da personalidade, caracterizados pelo sofrimento psíquico. Diferentemente do desenvolvimento típico, onde a reorganização interfuncional leva a novas capacidades, habilidades, interesses, necessidades e motivações universais, as crises envolvem uma ruptura e reestruturação mais dramática.
Especialistas como Ferigato, Campos e Ballarin identificaram parâmetros que, quando combinados, indicam uma crise:
- Sintomatologia psiquiátrica grave;
- Ruptura significativa no plano familiar e/ou social;
- Recusa obstinada ao tratamento ou ao contato;
- Situações alarmantes no contexto de vida e incapacidade pessoal de enfrentá-las;
- Experiência subjetiva da crise e sua singularidade para o indivíduo.
Ao contrário da abordagem psiquiátrica, que visa suprimir imediatamente a crise devido ao seu caráter destrutivo, especialistas em patopsicologia veem a crise como uma oportunidade intrínseca para transformação e mudança.
Psicólogos histórico-culturais acreditam que a crise na neurose revela questões centrais para a pessoa, oferecendo tanto um sinal dos processos críticos limites quanto a possibilidade de reorganizar sua dinâmica psíquica e seu ambiente para enfrentá-los.
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