Psicólogo Histórico-Cultural: Qual é o papel desse profissional?

Qual é o papel do psicólogo histórico-cultural?

Uma explicação mais aprofundada para a pergunta qual o papel do psicólogo histórico-cultural seria: o objetivo desse profissional é colaborar com a pessoa em atendimento para que ela adquira autonomia sobre seu processo de sofrimento dentro das possibilidades e limitações históricas e concretas.

Isso significa que não buscamos eliminar o sofrimento a qualquer custo, pois essa meta é inalcançável.

Em vez disso, busca-se capacitar a pessoa com mais recursos e ferramentas para enfrentar seu sofrimento ou doença de forma ativa, como um sujeito protagonista e construtor da própria história.

Psicólogo Histórico-Cultural e o desenvolvimento do psiquismo

Se entendermos adequadamente o desenvolvimento do psiquismo, perceberemos que a liberdade e a autonomia não são características naturais dos seres humanos. O papel do psicólogo histórico-cultural é ajudar a criar essas condições junto à pessoa atendida, pois elas não existem de forma inata no ser humano, atuando por um viés de um psicólogo de esquerda.

Além disso, na sociedade capitalista, o desenvolvimento psicológico não ocorre plenamente; ao contrário, é marcado pela separação entre a capacidade do sujeito de pensar, sentir e agir sobre a realidade. Em outras palavras, na dinâmica esperada da sociabilidade capitalista, o sujeito se distancia cada vez mais da compreensão de seu próprio sofrimento e da busca por respostas significativas para ele.

Conforme explica a base materialista da psicologia histórico-cultural, o sistema, ao se basear no trabalho alienado, afasta o sujeito das relações humanas, da realidade e, em última análise, de sua própria humanidade. Assim, a consciência se torna uma falsa consciência.

Liberdade e autonomia do indivíduo em atendimento na clínica histórico-cultural

A capacidade de uma pessoa tomar decisões sobre seu próprio processo de sofrimento não é determinada apenas pela situação concreta em que se encontra, mas também pela consciência que ela tem dessa situação e de seus determinantes.

O sujeito direciona suas práticas, comportamentos e ações com base no nível de compreensão que possui da realidade, o que pode ser considerado uma escolha entre diferentes alternativas.

Em geral, a liberdade de uma pessoa está relacionada à sua capacidade de compreender as determinações da realidade, de seu comportamento e de sua personalidade, embora isso nunca signifique liberdade absoluta, pois a consciência interpreta a realidade em vez de criá-la.

Na relação psicoterapêutica, o psicólogo histórico-cultural busca desenvolver a consciência da pessoa atendida em relação ao seu sofrimento ao ajudá-la a compreender sua condição humana e sua posição na sociedade e na realidade. O objetivo principal é que o sujeito desenvolva sua autoconsciência, entendida como a tomada de consciência de si nas relações sociais. Durante o trabalho psicoterapêutico, é necessário entender, junto ao sujeito, como determinadas condições de existência contribuíram para sua experiência de sofrimento.

Ao reconhecer que nossas experiências de sofrimento, nomeação do sofrimento e enfrentamento do sofrimento são moldados pelas relações sociais, não diminuímos a importância da singularidade da pessoa atendida. Pelo contrário, buscamos superar a dicotomia entre indivíduo e sociedade, mostrando que somos singulares porque somos sociais. Nessa perspectiva, não há sentimentos ou pensamentos “puros” ou “autênticos” desvinculados das determinações sociais, mas isso não nega as particularidades individuais.

É possível, ainda, identificar dois movimentos que promovem o desenvolvimento da autonomia da pessoa em relação ao seu sofrimento. O primeiro envolve resgatar a história desse sofrimento, reconhecendo-o como parte da história singular da pessoa em vez de um destino predeterminado. Nos interessamos em compreender as circunstâncias em que o sofrimento passou a fazer parte de sua vida, permitindo à pessoa atendida observar sua própria história e se reconhecer nela.

O segundo movimento, complementar ao primeiro, consiste em relacionar a história pessoal com a história coletiva da humanidade e com os modos de organização cultural. Dessa forma, o psicólogo histórico-cultural apresenta ao sujeito a ideia de que sua história singular e suas experiências estão inseridas em um processo histórico mais amplo, transcendendo a divisão entre o individual e o social.

O papel do psicólogo histórico-cultural na clínica

Como o psicólogo histórico-cultural trabalha a autoestima

Em uma situação típica de consultório, é comum ser solicitado para abordar questões de autoestima. Para compreender essa questão, vou utilizar como exemplo um paciente homem e me basear na lei genética do desenvolvimento cultural de Vigotski, que postula que os processos psicológicos são internalizações das interações interpessoais.

Em relação a essa questão específica, entenderia a autoestima – a capacidade de uma pessoa se avaliar ou atribuir valor a si mesma – como uma internalização das interações interpessoais valorativas. Assim, investigaria, em um nível mais individual, como as pessoas com quem ele conviveu historicamente o avaliaram, ou seja, como ele era percebido pelos outros.

É importante ressaltar que certas experiências podem ter mais impacto do que outras para uma pessoa, como os insultos sistemáticos que ele recebia dos colegas na infância em comparação com os elogios de sua mãe.

No entanto, e isso é crucial, o papel do psicólogo histórico-cultural não se limita a perguntas sobre a história singular de vida. Pelo contrário, é fundamental que a pessoa atendida reconheça a determinação social de sua experiência.

Neste exemplo, poderíamos considerar que os insultos que o homem atendido recebeu na infância são resultado de um ideal de masculinidade construído socialmente e difundido pela cultura. Também podemos explorar com ele a dimensão histórica da estética, ou seja, como determinadas formas ganham valor de beleza ao longo da história.

Através dessas reflexões, a pessoa adquire uma compreensão mais profunda de seu próprio processo de sofrimento, que é então abordado como uma questão de autoestima. Ao não mais perceber isso como um problema exclusivamente individual, ela pode encontrar alternativas para sua situação: como por exemplo, ter uma relação mais consciente com as redes sociais, buscar se engajar em conteúdos de beleza que desafiam o padrão dominante, ou enfrentar situações de discriminação quando surgirem.

Como é a atuação do psicólogo histórico-cultural

Psicólogo Histórico-Cultural e o preparo para a alta psicológica

É essencial que o psicólogo histórico-cultural reconheça que, à medida que o sujeito reflete sobre seu sofrimento com base em situações particulares e específicas, ele também desenvolve ao longo do tempo novas maneiras de abordar suas questões.

Podemos observar que a pessoa atendida “internaliza” a dinâmica terapêutica e começa a se questionar da mesma forma que acontece no contexto da terapia, mesmo quando enfrenta situações novas e fora desse contexto.

O verdadeiro desenvolvimento da autonomia reside na capacidade do sujeito de assimilar as determinações de seu sofrimento sem depender de orientação profissional para esse processo – ou seja, ele pode continuar se sentindo bem mesmo após a alta psicológica. Caso contrário, a relação de cuidado se transforma em uma relação de dependência na qual o sujeito espera que seu terapeuta lhe forneça respostas.

É papel do psicólogo histórico-cultural fornecer à pessoa atendida novas abordagens para lidar com o sofrimento. Uma variedade de ferramentas pode ser empregada no processo terapêutico para facilitar esses dois movimentos e alcançar os objetivos da psicoterapia.

O diálogo é a ferramenta mais comum, onde afirmamos, sugerimos, questionamos e interagimos verbalmente com a pessoa atendida. Além disso, podemos fazer uso das artes, do conhecimento científico e de outros elementos da cultura como instrumentos mediadores no processo terapêutico.

A consciência na clínica histórico-cultural

Por fim, é fundamental ressaltar que o trabalho de desenvolvimento da consciência não se limita ao aprimoramento do pensamento. O objetivo do psicoterapeuta orientado pela Psicologia Histórico-Cultural é criar condições para superar a alienação do sujeito, que é uma característica intrínseca da sociabilidade capitalista.

No entanto, essa alienação não afeta apenas o pensamento; ela se reflete na relação global do psiquismo com a realidade, resultando em uma ruptura nos processos de pensar, sentir e agir. Desta forma, para essa abordagem teórica, a consciência só adquire significado quando está vinculada à transformação da realidade.

Consequentemente, não esperamos que o trabalho psicoterapêutico resulte apenas em mudanças no pensamento da pessoa atendida. O objetivo é que essa consciência, que pertence ao sujeito, se torne uma ferramenta para suas ações e decisões. Assim, é possível destacar que a relação entre ação, pensamento e sentimento é aprendida, e é papel do psicólogo histórico-cultural elucidar as contradições e tensões entre essas diferentes dimensões.

Esse movimento promove o desenvolvimento da autodeterminação do comportamento, ou seja, a capacidade do sujeito de agir de acordo com os objetivos que estabelece para si mesmo.

Então, qual é a essência do trabalho do psicólogo orientado pela Psicologia Histórico-Cultural? É colaborar com a pessoa atendida para que ela desenvolva autonomia no enfrentamento do sofrimento, através do desenvolvimento da autoconsciência e da autodeterminação do comportamento por meio da construção e apropriação da cultura.

Portanto, não se trata apenas de atribuir novos significados ao sofrimento. Por exemplo, um profissional que segue uma ideologia neoliberal pode dizer a uma pessoa que sofre com sobrecarga de trabalho que ela precisa ser mais resiliente e trabalhar mais. Embora essa intervenção possa ser considerada uma ressignificação bem-sucedida da experiência, ela não necessariamente proporciona mais condições para que o indivíduo enfrente seu sofrimento. Pelo contrário, pode aliená-lo ainda mais de suas possibilidades de encontrar alternativas para seu adoecimento.

Ao entender o sofrimento como um produto histórico e social, o papel do psicólogo com formação histórico-cultural é ampliar a consciência da pessoa atendida sobre suas experiências.

Nesse processo, o sujeito pode desenvolver novos entendimentos sobre seu sofrimento. No entanto, o que diferencia essa abordagem teórica das demais não é apenas a presença ou ausência de mudanças nos significados atribuídos ao sofrimento, mas sim as características e especificidades desse processo.

Para o psicólogo histórico-cultural, a abordagem clínica trata-se de uma mudança necessariamente social e política: o desenvolvimento de uma perspectiva que considera o psiquismo e o sofrimento de forma histórica e social.

Conheça meu trabalho como psicólogo histórico-cultural
Raphael Granucci Pequeno
Raphael Granucci Pequeno

Psicólogo clínico da abordagem histórico-cultural, escritor e pesquisador

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