Psicologia de base materialista: entendendo a Psicologia Histórico-Cultural

O que é a psicologia de base materialista?

A Psicologia Histórico-Cultural é uma teoria fundamentada no método materialista histórico-dialético, o que implica em uma análise que considera a materialidade, a historicidade e a dialética do psiquismo.

Isso significa que essa abordagem reconhece que a realidade objetiva, ou seja, a matéria, existe independentemente da nossa consciência sobre ela.

Em suma, a abordagem Histórico-Cultural reconhece a importância de considerar a realidade material e suas dinâmicas históricas e dialéticas para compreender o funcionamento do psiquismo humano e dos fenômenos sociais.

Mas o que quer dizer uma psicologia de base materialista?

Como entender a psicologia de base materialista

Dizer que uma abordagem é uma psicologia de base materialista significa que ela considera que a realidade objetiva, ou seja, a matéria, existe independentemente da nossa consciência sobre ela.

Podemos começar por um exemplo das ciências naturais: a água tem propriedades específicas, como seu ponto de ebulição de 100°C, que existem independentemente de alguém estar ciente disso ou não. Da mesma forma, os fenômenos sociais têm bases materiais e dinâmicas próprias, que existem independentemente das percepções individuais.

A Psicologia Histórico-Cultural, com suas bases epistemológicas, reconhece que os fenômenos sociais e o psiquismo humano são moldados pela história e pela evolução ao longo do tempo.

Pensando em um outro exemplo que ajuda a explicar os fenômenos sociais, a política carcerária atual é influenciada por uma série de eventos históricos, leis e ideologias que moldaram sua forma e função. Apesar de uma parcela significativa da sociedade acreditar no contrário, a política carcerária atual não reduz a criminalidade. Portanto, por que ainda insistimos nesse modelo?

Da mesma forma, a pobreza não é necessariamente resultado de escolhas individuais ruins, apesar de muitas pessoas continuarem a perpetuar essa ideia baseada na ideologia neoliberal.

E qual é a relação disso tudo com a psicologia de base materialista?

Como a psicologia de base materialista tem sua aplicação clínica

A consciência na psicologia de base materialista

A consciência é a percepção subjetiva da realidade objetiva. Em outras palavras, cada pensamento humano está associado a um conteúdo específico, uma base material externa à mente que pensa. A consciência, portanto, é a representação subjetiva do mundo objetivo.

Essa estrutura psicológica se desenvolve em cada indivíduo e serve como um guia para sua interação com a realidade. Quanto mais alguém compreende os aspectos objetivos da realidade (que existem independentemente do pensamento), mais capacidade possui de agir intencionalmente sobre ela e provocar mudanças significativas.

Por exemplo, ao reconhecer a falácia da meritocracia, ou seja, a discrepância entre a ideia e a realidade, uma pessoa pode reconsiderar sua abordagem em relação ao trabalho. Nesse caso, a consciência não cria uma nova realidade, mas permite uma interpretação mais precisa da existente, resultando em ações subsequentes mais informadas.

Um aspecto crucial para uma psicologia de base materialista é compreender que todo pensamento é atribuído a um sujeito; não há pensamento ou psiquismo autossuficiente. Enquanto a matéria pode existir independentemente do pensamento, como no caso das rochas ou outros objetos naturais, o pensamento depende da materialidade para ser acessível.

Textos, filmes, músicas, todos eles contêm elaborações da realidade (pensamentos e emoções), mas só são acessíveis devido à sua materialidade – letras, imagens, sons – e à sua origem em mentes humanas. Portanto, o psiquismo está intrinsecamente ligado ao sujeito que o experimenta e não pode existir separado da matéria.

Se a vida psicológica de uma pessoa é influenciada pela sua vida como sujeito, é crucial examinar a noção de sujeito que estamos adotando. Segundo Marx e Engels, “não é a consciência que determina a vida, mas a vida que determina a consciência“. Isso significa que a identidade e a consciência de um indivíduo são moldadas pela sua existência e experiências prévias.

Em outras palavras, antes de desenvolver sua consciência, uma pessoa é, primeiramente, algo definido por sua condição de sujeito. Mas o que exatamente essa condição implica? Refere-se ao papel que o sujeito desempenha nas relações sociais, considerando que o ser humano é inerentemente um ser social e é influenciado pelo contexto histórico e cultural em que está inserido.

Uma explicação para as diferenças de acordo com a psicologia de base materialista

A capacidade de compreender a realidade de uma pessoa que viveu na Grécia antiga difere consideravelmente da de uma pessoa contemporânea. Da mesma forma, um burguês e um trabalhador possuem perspectivas distintas sobre a realidade, apesar de compartilharem o mesmo ambiente material e observarem os mesmos eventos.

Nossa interação na vida social molda nossa capacidade de interpretar psicologicamente a realidade. Essa condição não se aplica apenas individualmente, mas também reflete a capacidade de uma sociedade em fornecer explicações sobre a realidade e oferecer recursos para que cada indivíduo possa acessá-las.

Vamos considerar um outro exemplo: o sentimento de ciúmes. Este sentimento só pode surgir em uma sociedade onde as relações são estruturadas em torno do conceito de posse.

Um homem branco, inserido em uma cultura que promove uma visão objetificada dos relacionamentos, pode experimentar o ciúme de forma intensa e frequente. Por outro lado, uma pessoa indígena, pertencente a uma cultura que não enfatiza hierarquias nas relações ou ideais de posse, pode nunca vivenciar esse sentimento.

O mesmo sentimento de ciúme pode ou não ser experimentado por pessoas que compartilham o mesmo contexto cronológico, dependendo do lugar que cada uma ocupa na estrutura social. Isso nos remete à tese de Marx e Engels: não é o sentimento de ciúme que determina a posição social da pessoa branca ou indígena, mas sim a posição social que determina a possibilidade de vivenciar ou não esse sentimento.

A psicologia histórico-cultural é uma abordagem de base materialista

Psicologia de base materialista e a Psicologia Histórico-Cultural

Para entender a relação entre a psicologia de base materialista e a práxis clínica da Psicologia Histórico-Cultural, é necessário compreender: o psiquismo humano sempre pertence a um sujeito que existe e sua existência é moldada pelo desenvolvimento histórico e cultural da humanidade.

É crucial destacar que o psiquismo não surge completamente formado nos indivíduos como uma característica inata ou natural. Não existe uma essência ou natureza humana predefinida. Pelo contrário, o psiquismo é desenvolvido em cada indivíduo conforme os determinantes históricos e sociais.

Seguindo a perspectiva de Leontiev, podemos afirmar que o ser humano, em seu aspecto biológico, nasce apenas como um potencial para se desenvolver como ser humano culturalmente inserido.

O desenvolvimento das características típicas do comportamento humano, como as funções psicológicas superiores, depende da participação do indivíduo nas relações sociais e no fluxo da história. Novamente, não se nasce humano, mas torna-se humano, através do processo de humanização. A partir desse princípio, a prática clínica do psicólogo histórico-cultural busca o desenvolvimento e a autonomia dos pacientes, tornando esse profissional em um psicólogo de esquerda.

Conheça meu trabalho como psicólogo histórico-cultural
Raphael Granucci Pequeno
Raphael Granucci Pequeno

Psicólogo clínico da abordagem histórico-cultural, escritor e pesquisador

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