Racismo e a Psicologia Histórico-Cultural

Racismo e a Psicologia Histórico-Cultural

O racismo é a causa de um sofrimento ético-político que pode aparecer na clínica da psicologia de diversas formas. É necessário que os psicólogos estejam prontos para falar sobre isso, sabendo acolher as demandas de pacientes vítimas da violência racista, olhando para as suas condições históricas e sociais.

A Psicologia Histórico-Cultural nos oferece alguns instrumentos para entender essas situações e proporcionar o fortalecimento das vítimas.

Antes de explorarmos a abordagem antirracista na Psicologia Histórico-Cultural, é crucial compreender as raízes históricas do racismo. A escravidão, colonialismo e sistemas segregacionistas moldaram as sociedades de maneiras profundas, deixando um legado de desigualdades que persistem até hoje. A Psicologia Histórico-Cultural (PHC) reconhece que a mente humana é fortemente influenciada por essas experiências coletivas.

A partir de uma relação de cuidado, que visa desenvolver a autonomia do sujeito, a clínica histórico-cultural tem o dever de se posicionar de forma antirracista, seja para indivíduos que sofrem com essa violência ou para indivíduos que são racistas.

O racismo na psicologia brasileira

No Brasil, a psicologia também foi instrumento de embranquecimento da população. Afinal, negros dissidentes, quando não encarcerados em prisões, foram destinados aos hospitais psiquiátricos sob a alcunha de “doentes mentais”.

Seja como instrumento para a perpetuação de estereótipos racistas, para o embranquecimento da população ou excluindo os saberes pretos, a psicologia hegemônica também ajudou na manutenção da branquitude como um modelo universal.

É necessário que a psicologia enfrente a realidade nacional: mais de 50% da população brasileira é não-branca. Logo, mais da metade da população brasileira pode sofrer (e possivelmente sofre) com o modelo padrão de saúde mental, pensado para a história de pessoas brancas.

É urgente a criação de uma psicologia antirracista.

Vidas negras importam

Psicologia Antirracista

A Psicologia Histórico-Cultural, desenvolvida por Lev Vygotsky e seus seguidores, propõe uma abordagem que destaca a influência do contexto histórico e cultural na formação da psique humana. Quando aplicada ao combate ao racismo, essa perspectiva oferece uma lente poderosa para analisar e transformar as estruturas sociais que perpetuam a discriminação racial.

A Psicologia Histórico-Cultural Antirracista oferece uma abordagem rica e interdisciplinar para entender e combater o racismo.

Ao reconhecer a influência do contexto histórico e cultural na formação da psique humana, podemos desenvolver estratégias eficazes para promover a igualdade racial, transformando não apenas as mentes individuais, mas também as estruturas sociais que perpetuam a discriminação.

Essa abordagem não apenas desafia as manifestações evidentes do racismo, mas também busca atingir suas raízes profundas, promovendo uma sociedade mais justa e equitativa para todos.

Mediação cultural e identidade racial

A mediação cultural desempenha um papel crucial na Psicologia Histórico-Cultural Antirracista. Isso significa que as ferramentas culturais, como linguagem, símbolos e práticas, são fundamentais para a construção da identidade racial.

Ao reconhecer a importância dessas mediações, a abordagem antirracista busca fortalecer identidades não apenas como um meio de resistência, mas também como uma forma de empoderamento.

Linguagem como ferramenta de transformação

A linguagem, vista como uma ferramenta de mediação cultural, desempenha um papel vital na Psicologia Histórico-Cultural Antirracista. A forma como nos comunicamos influencia a maneira como percebemos e interpretamos o mundo.

Ao conscientemente transformar a linguagem para eliminar estereótipos e promover narrativas inclusivas, podemos criar um ambiente propício para a desconstrução de preconceitos e a promoção da igualdade racial.

Educação antirracista e aprendizagem significativa

A Psicologia Histórico-Cultural destaca a importância da aprendizagem significativa, na qual novos conhecimentos são integrados aos entendimentos prévios.

No contexto antirracista, isso implica na necessidade de repensar os currículos escolares para incluir uma perspectiva crítica sobre a história e cultura afrodescendente, desafiando estereótipos e construindo uma compreensão mais completa e precisa da diversidade humana.

“Ao desnudar as relações de dominação, as pessoas podem se tornar mais autoconscientes daquilo que as torna preconceituosas, violentas, propensas a se identificar e apoiar líderes populistas e/ou autoritários e antidemocráticos. Perceber os truques das propagandas, fortalecer a autonomia, resistir à desumanização das relações de dominação.”

Cida Bento em “O Pacto da Branquitude”

Psicólogo Histórico-Cultural e o combate ao racismo

O psicólogo histórico-cultural pode desempenhar um papel significativo no combate ao racismo, utilizando os princípios e conceitos dessa abordagem para promover uma compreensão mais profunda das raízes históricas e culturais do preconceito racial.

Psicologia antirracista

Aqui estão algumas maneiras como o psicólogo histórico-cultural pode contribuir para o enfrentamento do racismo:

1. Análise crítica do contexto histórico e cultural

  • O psicólogo histórico-cultural pode trabalhar para entender e destacar como eventos históricos, como a escravidão, o colonialismo e a segregação, moldaram as atitudes e percepções raciais ao longo do tempo.
  • Analisar como esses eventos impactaram a formação da identidade individual e coletiva, reconhecendo as consequências de longo prazo na saúde mental e bem-estar das comunidades afetadas.

2. Promoção da consciência cultural

  • Incentivar a conscientização sobre a diversidade cultural, reconhecendo a riqueza e a complexidade das diferentes culturas.
  • Destacar a importância da mediação cultural na formação da identidade, enfatizando como as ferramentas culturais moldam as experiências individuais e coletivas.

3. Aprimoramento da zona de desenvolvimento proximal antirracista

  • Criar ambientes educacionais e terapêuticos que promovam a aprendizagem colaborativa e a discussão crítica sobre questões raciais.
  • Facilitar diálogos que permitam a superação de preconceitos, utilizando a Zona de Desenvolvimento Proximal para promover a compreensão e empatia.

4. Abordagem à identidade racial

  • Valorizar e fortalecer identidades raciais positivas, reconhecendo a importância da representação e da autoimagem na construção da identidade.
  • Trabalhar para desconstruir estereótipos e promover narrativas inclusivas que reconheçam a diversidade de experiências dentro de grupos raciais.

5. Linguagem sensível e transformadora

  • Utilizar a linguagem como uma ferramenta para desafiar e transformar discursos racistas.
  • Promover uma comunicação inclusiva que reconheça e respeite as diferentes formas de expressão cultural.

6. Educação antirracista

  • Contribuir para o desenvolvimento de programas educacionais que abordem criticamente a história e a cultura, incluindo perspectivas antirracistas nos currículos.
  • Colaborar com educadores para criar ambientes de aprendizagem que promovam o respeito pela diversidade e combatam estereótipos.

7. Intervenções terapêuticas

  • Desenvolver abordagens terapêuticas culturalmente sensíveis que reconheçam e abordem as experiências únicas de grupos racialmente marginalizados.
  • Trabalhar para superar barreiras culturais na prestação de serviços de saúde mental e garantir que as práticas terapêuticas sejam inclusivas e acessíveis.

Ao integrar essas práticas, o psicólogo histórico-cultural pode contribuir significativamente para a promoção de uma sociedade mais justa, equitativa e antirracista, abordando as complexas interações entre o desenvolvimento humano, a cultura e as estruturas sociais.

Raphael Granucci Pequeno
Raphael Granucci Pequeno

Psicólogo clínico da abordagem histórico-cultural, escritor e pesquisador

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