O que é subjetividade de acordo com a Psicologia Histórico-Cultural 

Subjetividade: como a psicologia histórico-cultural entende esse conceito

A visão comum e generalista de subjetividade se refere à natureza pessoal e interna da experiência individual. Assim, ela seria a qualidade de ser baseada em pensamentos, sentimentos e opiniões pessoais, em oposição a fatos objetivos.

A subjetividade influencia como uma pessoa percebe e interpreta o mundo ao seu redor, moldando sua visão única da realidade. Por exemplo, as experiências de vida, valores, crenças e emoções de uma pessoa influenciam sua perspectiva subjetiva sobre questões como beleza, moralidade, justiça e significado.

No entanto, a psicologia histórico-cultural propõe algumas visões diferentes sobre a subjetividade, incluindo sua construção e produção pelas questões do mundo.

Subjetividade: o que é?

De acordo com a perspectiva da psicologia histórico-cultural, a subjetividade é concebida como um produto das interações sociais e culturais. Essa abordagem, desenvolvida principalmente por Lev Vigotski e seus seguidores, enfatiza que a mente humana é moldada pelo ambiente social e cultural em que uma pessoa está inserida.

Assim, a subjetividade se refere ao processo pelo qual algo se torna parte constituinte e exclusiva do indivíduo. Esse processo ocorre de maneira única e singular, de modo que aquilo que é internalizado ou experimentado se torna distintivamente próprio de cada pessoa.

Em outras palavras, a subjetividade envolve a integração de experiências, valores, crenças e emoções de forma que se tornem parte essencial da identidade individual, resultando em uma perspectiva única e singular do mundo.

Na psicologia histórico-cultural, a subjetividade é vista como sendo construída socialmente, ou seja, ela emerge das interações do indivíduo com os outros e com o ambiente ao longo do tempo. Por exemplo, as crenças, valores, habilidades e formas de pensar de uma pessoa são influenciadas pelas práticas culturais e pelas relações sociais nas quais ela está envolvida.

Além disso, a psicologia histórico-cultural destaca o papel da linguagem e da mediação simbólica na formação da subjetividade. Através da linguagem e de outros símbolos culturais, as pessoas internalizam as normas, valores e significados compartilhados pela sociedade, o que molda suas percepções, emoções e pensamentos.

Psiquismo e subjetividade na perspectiva da Psicologia Histórico-Cultural

A subjetividade, na visão marxista, é compreendida como resultado das relações sociais e do trabalho humano. Marx argumenta que a essência humana é moldada pelas interações sociais e pela atividade prática, não sendo algo inato ou universal. Ele enfatiza que os seres humanos constroem sua essência e subjetividade através do trabalho e das relações sociais de produção.

A psicologia histórico-cultural reforça essa ideia, destacando que a subjetividade é formada por meio da interação com o ambiente social e cultural.

Os indivíduos internalizam os conhecimentos e significados produzidos ao longo da história humana, desenvolvendo características especificamente humanas à medida que participam do processo social. Assim, a subjetividade é concebida como um fenômeno histórico e social, que se desenvolve através da transmissão de conhecimentos e da participação nas práticas culturais da sociedade.

Leontiev argumenta que a humanização dos indivíduos não ocorre apenas por meio de processos biológicos, mas requer também a apropriação da cultura e dos elementos culturais produzidos pela humanidade. Em outras palavras, para nos tornarmos plenamente humanos, precisamos nos envolver com o mundo cultural que nos cerca, compreendendo e internalizando seus significados, valores e práticas.

Segundo a visão de Vigotski, o desenvolvimento humano é influenciado tanto por fatores biológicos quanto por fatores sociais e históricos. Na ontogênese, ou seja, no desenvolvimento individual, esses dois processos estão interligados.

As funções psicológicas superiores, como raciocínio lógico, pensamento abstrato e capacidade de planejamento, são construídas ao longo do tempo por meio da interação com o ambiente cultural e das relações sociais.

Vigotski também enfatiza que as funções psicológicas superiores têm suas raízes nas interações sociais e são internalizadas pelo indivíduo ao longo do desenvolvimento. Isso significa que nossas habilidades cognitivas e emocionais são influenciadas pela cultura e pelas relações sociais em que estamos inseridos.

Ao lado de Luria, destaca que o desenvolvimento cultural do ser humano começa com a mobilização de suas habilidades naturais e evolui para a utilização de signos culturais mediados pela interação com outros membros da sociedade. Essa progressão do natural ao cultural é facilitada pela mediação social, ou seja, pela orientação e assistência de pessoas mais experientes.

Portanto, a compreensão da subjetividade humana envolve reconhecer que ela é moldada não apenas por processos biológicos internos, mas também por influências culturais e sociais externas. É por meio da interação com o mundo cultural e das relações sociais que nos tornamos plenamente humanos, desenvolvendo nossas capacidades mentais e emocionais de forma única e individual.

O que é subjetividade?

Subjetividade: uma compreensão dialética

É crucial transcender a dicotomia entre o mundo objetivo e o mundo subjetivo. Muitas vezes, a Psicologia tende a enfatizar apenas um desses aspectos, excluindo o outro. Quando se concentra na subjetividade, a objetividade é frequentemente deixada de lado, e vice-versa. Essa abordagem dualista limita nossa compreensão dos fenômenos psíquicos, reduzindo-os a simples processos fisiológicos.

Para avançar, é necessário adotar uma perspectiva dialética, que reconheça a interdependência e a interação constante entre objetividade e subjetividade. Esses dois aspectos não podem ser compreendidos isoladamente, mas sim em relação um ao outro.

A lógica dialética nos permite entender que objetividade e subjetividade são termos que só fazem sentido em sua interconexão. Assim, ao invés de se excluírem, eles se constituem mutuamente, formando uma relação essencial para a compreensão completa da experiência humana.

A lógica dialética nos ensina a transcender a superficialidade e o imediatismo, reconhecendo que os fenômenos empíricos são sínteses de múltiplas determinações. Compreender a subjetividade sob essa perspectiva implica não iniciar a análise a partir do mundo interno ou externo do indivíduo, mas sim entender a unidade dialética entre o indivíduo e a sociedade.

Embora ainda haja uma lacuna na aplicação dessa lógica na compreensão da subjetividade, a solução para o impasse entre individualidade e universalidade está na dialética. A Psicologia deveria estudar não o indivíduo empírico, mas o indivíduo concreto, como um ser moldado por relações sociais e históricas.

A essência humana não pode ser compreendida como algo abstrato ou exclusivamente interno a cada indivíduo isolado. Em vez disso, ela é definida pelo conjunto de relações sociais em que os seres humanos estão inseridos. Portanto, a essência humana não é universal nem separada da existência; ela é fundamentalmente construída a partir das relações sociais de produção, tendo como base uma existência prática e concreta.

Em resumo, a essência humana é moldada pelo contexto social e histórico em que cada pessoa está inserida, refletindo as dinâmicas das relações sociais ao invés de ser algo inato ou universal.

Subjetividade na clínica histórico-cultural

Na análise da essência humana e do desenvolvimento da subjetividade, é fundamental considerar o contexto de uma sociedade capitalista caracterizada por classes sociais antagônicas. Ou seja, na aplicação clínica da psicologia histórico-cultural é essencial levar isso em consideração.

Marx explora a natureza do trabalho humano dentro desse modo de produção, descrevendo-o como um trabalho alienado. Isso significa que a essência humana, que se manifesta através do trabalho, é distorcida e negada nas relações sociais reais que os indivíduos mantêm com os produtos de seu trabalho, com sua própria atividade e com outros seres humanos.

Em suma, na sociedade capitalista, a essência humana é subjugada e distorcida pelo sistema econômico, resultando em uma subjetividade moldada por relações de alienação e exploração.

O termo alienação refere-se à condição daqueles que não têm consciência de sua própria situação, que não reconhecem a si mesmos como agentes da história e perderam o controle sobre seus próprios atos e obras. Em uma sociedade capitalista, à medida que as mercadorias ganham valor, o trabalhador que as produz é desvalorizado. Esse processo de produção leva à alienação do trabalhador, que se torna ele próprio uma mercadoria.

No capitalismo, o trabalho humano é objetivado em objetos materiais para que o trabalhador possa se apropriar e enriquecer através de suas criações. No entanto, as objetivações do trabalho não são apropriadas pelo trabalhador, resultando em um esvaziamento e empobrecimento de sua condição. A alienação se manifesta ainda durante o processo de produção, quando o produto do trabalho se torna independente do trabalhador, separando-se dele.

A objetivação do trabalho humano se torna cada vez mais alienada, levando o trabalhador a não mais reconhecer-se em seu próprio trabalho. O desenvolvimento da humanidade não é transmitido hereditariamente, mas está fixado em produtos humanos objetivos, o que significa que nem todos os indivíduos conseguem se apropriar das conquistas da humanidade ao longo da história.

Em resumo, a alienação no capitalismo resulta em uma desconexão entre os trabalhadores e os produtos de seu próprio trabalho, dificultando sua capacidade de se beneficiar das conquistas históricas da humanidade.

As enormes diferenças entre os seres humanos não se originam principalmente de características físicas ou biológicas, mas sim das disparidades nas condições de vida, na diversidade das atividades materiais e mentais e no nível de desenvolvimento intelectual. Em outras palavras, as consideráveis diferenças entre as pessoas são resultado direto da desigualdade econômica presente nas relações entre as classes sociais.

Portanto, a subjetividade de cada indivíduo é profundamente moldada pelo contexto socioeconômico em que estão inseridos. As experiências, oportunidades e recursos disponíveis variam significativamente de acordo com a posição social e econômica de cada pessoa. Essa desigualdade influencia não apenas as circunstâncias materiais da vida, mas também os aspectos mentais, emocionais e culturais que compõem a subjetividade de cada um.

Consequentemente, a solução para essa disparidade reside na destruição das relações sociais baseadas na exploração do ser humano pelo ser humano. Somente através da eliminação dessa exploração é que todos os indivíduos podem recuperar sua natureza humana em sua plenitude e diversidade, criando assim condições mais equitativas para o desenvolvimento de suas subjetividades.

Raphael Granucci Pequeno
Raphael Granucci Pequeno

Psicólogo clínico da abordagem histórico-cultural, escritor e pesquisador

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